Por Kamilla Valentim
Era noite de 14 de março de 2018.
Quando recebi a infeliz notícia, através do celular
“Vereadora Marielle Franco morta a tiros”
Eu lia e relia, mas não queria acreditar
Abri a geladeira e a cerveja. Parei, sentei e ali permaneci
Tentando pensar: Alguém vai desmentir
Me obriguei a ir dormir pra tentar absorver, esquecer, procurar outra faceta
Sonhei com Djamila Ribeiro, outra mina preta
Acordei confusa, afinal, quem morreu? Foi Djamila, Marielle ou fui eu?
Já era quinta-feira de manhã. A notícia se confirmou
Que tiro foi esse? Não foi um arraso! Mas sim, me arrasou.
Me arrasaria mesmo se fosse apenas um. Mas foram nove
Tamanho o ódio que uma mulher preta vereadora promove
Nove tiros no carro, em Marielle, no meu espelho
Não consigo me ver por inteira. Só vejo pedaços. Só sinto receio.
Fui pro velório na Cinelândia, abraços apertados, dor, desesperança…
Chovemos sem parar naquela quinta de sol
E depois de um dia intenso, estou a me perguntar: Existe algo que possa nos blindar?
A sensação é de que não. Nada nos blinda e nem nos protege
Nem mesmo graduação, dissertação ou tese
É Marielle, sejamos Francos: Quantos de nós já te executamos?
Como explicar a ausência de mulheres como você no Legislativo, no Judiciário e no Executivo?
É execução que se fala? Invisibilidade que se fala?
Racismo, machismo ou lesbofobia que se fala?
Talvez sejam todos esses fenômenos juntos. Porque nossa existência é holística
É, Marielle, você sequer foi ameaçada.
Mas um corpo preto nunca precisa de ameaça pra ser morto.
A gente tá sempre na linha de frente
Marielle, você sabe… Sabia…
Nossos heróis e heroínas não morrem de overdose
Morrem executados
Enforcados
Ensanguentados
Desfigurados
Você virou símbolo porque sabia disso! Porque lutou contra isso!
Símbolo de um luto coletivo. De uma luta coletiva.
Você ocupou! Denunciou! Transformou! Nos representou!
Você tentou mover estruturas
E foi essa estrutura que se incomodou!
Seu assassinato nos apavora, mas nos deixa um recado:
Além da dor, a certeza de seu enorme e potente legado
A certeza de que não podemos ser UMA Marielle, senão viramos alvo
Temos que ser muitas, cada uma em sua esfera
Porque somos mulheres pretas, ninguém aqui é Cinderela
Não perdemos sapatos. Perdemos nossos filhos, irmãos, primos…
Perdemos nossa própria vida numa rua da Estácio…
São sempre nossas vidas. Não importa se na favela ou no asfalto.
E sim Marielle, nós não seremos interrompidas!
Seremos protagonistas
Nossos corpos vão ocupar diferentes espaços
Por falar em corpo, Marielle, levaram o seu…
Num assassinato brutal um silenciamento material
Era só isso que esses covardes podiam tentar
As águas de março fecharam o verão
Não sei dizer se há promessa de vida em meu coração…
Mas a sua existência, Marielle, com certeza não foi em vão.
Porque assim como Martin Luther King, Marielle
I still have a dream!
Eu ainda tenho um sonho! E não, não serei interrompida!
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